Ninguém compreendia o seu sufoco, talvez porque as circunstâncias não permitiam olhá-lo como um coitadinho abandonado no mundo. Ele era o autêntico sortudo, com o PH mesmo ali aos seus pés, a qualquer hora do dia e da noite, para desfrutar as canecas fresquinhas servidas pelas mãos profissionais do Cupido.
Feliciano, o talhante, costumava dizer-lhe: "Ó homem, não lamentes a sorte que tens. Aproveita para enriquecer o teu currículo com este sumptuoso sacrifício. Beber quer-se devagar, devagarinho... assim se goza mais um pouquinho. Faz-te à vida na noite e bebe uns copos. Não há nada que substitua o prazer de nos sentirmos aliviados...". Mas, para Homem, nada passava por aí. Queria ele o problema dos outros...
O prazer das 7 da tarde
Media dois anões e escondia uma alma de poeta, aparentando um aspecto simplório, num misto de ingenuidade e cultura. Olhos azuis penetrantes, cabelo cor de amêndoa e uma pela lisa e macia permitiam-lhe uma tonalidade vulgar, embora mais facilmente seria considerado nórdico que lusitano.
Sempre igual a si mesmo, não resistia à espontaneidade da leitura, nem ao prazer da imaginação. Situava a componente física num plano inferior ao do pensamento, porque o que verdadeiramente almejava era descobrir a alma, sobretudo a dos outros, e era assim que situava a sua missão no mundo da sua freguesia citadina.
Quando não lia, não subia ou descia, ia para a janela avistar as ruas com lápis e caderno em riste, para sugar e registar todos os movimentos, conscientes ou instintivos, dos transeuntes que circulavam desordenadamente, em busca não sabia ele do quê.
Certa tarde, uma jovem dos seus vinte e tal, impertigada com os olhares furtivos e penetrantes de todos os dias, investe grosseiramente para o piso superior do PH:
- Oiça lá, não tem mais nada para fazer?
- Quem? Eu? Está a falar comigo? - responde Homem timidamente.
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